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quinta-feira, 5 de julho de 2018

Tipos de Família

Publicado por Mariana Donatini

1.1. Tipos de Família

Nos últimos séculos, o ideal de família tem sido bastante alterado, sendo o seu conceito constantemente redefinido. “O matrimônio já não contém a exclusividade da forma única de constituição legítima da família (...)”[1].

Tomando como base os princípios previstos na Constituição Federal de 1988, “a família do novo milênio, ao contrário da família do passado, é agora plural, isonômica e eudemonística”[2] Neste sentido, o professor Luiz Edson Fachin explica que “a família saiu “da estrutura unitária, hierarquizada e transpessoal, houve migração para uma família plural, igualitária e eudemonista, um novo paradigma da conjugalidade”[3]

A “família do novo milênio” é ainda vista como elemento essencial para formação da sociedade, tendo uma proteção especial do Estado. No entanto, segundo Ana Carolina Brochado Teixeira, Gustavo Pereira Leite Ribeiro e Alexandre Miranda Oliveira[4]:

(...) agora, se reconhece que esta família não está centrada apenas no casamento, ou seja, não é singular ou unitária, é plural, isto é, ela também se forma por outros modos, sendo que estes novos modos se acham protegidos constitucionalmente. Nestes aspectos, outras estruturas e arranjos, segundo o legislador constitucional, recebem também a proteção especial do Estado. Aí se encontram os arranjos da chamada união estável de um homem e de uma mulher, (...) ou mesmo aqueles arranjos formados por qualquer dos pais e seus descendentes, e por isto mesmo chamados pela doutrina de núcleros monoparentais (...)”

Conclui, neste sentido, Ana Carolina Brochado Teixeira, Gustavo Pereira Leite Ribeiro e Alexandre Miranda Oliveira[5]:

“(...) o que se observa hoje na família brasileira do novo milênio é um verdadeiro descompasso entre os movimentos de busca do respeito à liberdade individual – liberdade esta que o próprio Estado assegura – para efetivação do sonho da felicidade e a incessante interferência do Estado nesta individualidade, procurando cercar todas as formas, situações e consequências possíveis na busca deste sonho, um verdadeiro paradoxo”.

O reconhecimento da constituição familiar de forma diversa do casamento se deu de forma gradual. Sendo assim, nos seguintes itens iremos tratar dos tipos de família que se constituíram ao longo das décadas com a evolução social.

1.1.1. Casamento

O casamento é o ato de celebração de matrimônio, por meio do qual constitui-se a família de modo a se pautar na comunhão de vidas estabelecidas entre o casal.

Nas palavras de Ana Carolina Brochado Teixeira, Gustavo Pereira Leite Ribeiro e Alexandre Miranda Oliveira [6]:


“(...) conceituamos o casamento como sendo um contrato de família, solene e especial, entre duas pessoas, que visam a uma comunhão de vidas. E justificávamos, afirmando que é um contrato, porque nasce com a vontade das partes de constituírem uma família exigindo tal consentimento. Porém não basta tal consentimento; é necessário à sua confirmação que sejam observadas as normas e procedimentos próprios, traçados pela lei, de molde a se aperfeiçoar. Por isto mesmo, solene e especial, já que existe forma específica para celebração (...)”

No entendimento do Jurista José Lopes de Oliveira[7]:


“(...) O casamento é o ato solene pelo qual se unem, estabelecendo íntima comunhão de vida material e espiritual e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer, sob determinado regime de bens”.

O instituto do casamento vem sendo modificado nas últimas décadas, em função do avanço social. Aquilo que era antes conhecido como sendo meramente um contrato, a partir do qual a única exigência para sua concretização era o consenso das partes, passou-se a considerar como essencial o seu caráter sacramental de constituição de um laço familiar.

1.1.2. União Estável

De acordo com Ana Carolina Brochado Teixeira, Gustavo Pereira Leite Ribeiro e Alexandre Miranda Oliveira[8]:


“(...) tem-se que a união estável é aquela que não concorre com o casamento, ou seja, é aquela união livre de forma expressa em lei, em que um homem e uma mulher, desimpedidos para se casar (...)”

A união estável foi expressamente reconhecida pela Constituição Federalde 1988. A relação não matrimonial existe já há muito tempo, sendo antes conhecida como concubinato, mas foi apenas em 1988 que a constituiçãoreconheceu a união estável.

Após a Constituição Federal de 1988, a primeira lei que regulamentou a união estável foi a Lei nº. 8.971/94 que apresentava como principal requisito a exigência de cinco anos de convivência ou a existência de prole para o seu reconhecimento. No entanto, em razão de críticas incisivas, foi promulgada Lei nº. 9.278/96, que afastou a exigência do tempo mínimo.

Tanto o casamento quanto a união estável são entidades familiares protegidas pela constituição.

1.1.3. Família Monoparental

A família monoparental é aquela “constituída pelo homem ou mulher e seus descendentes, a qual se caracteriza de múltiplos modos: pela viuvez, pais ou mães solteiros ou separados e filhos”[9].

O reconhecimento da família monoparental se deu pela ampliação proporcionada pelo art. 226, § 4º[10], da Constituição Federal de 1988. A formação deste tipo de família é consequência de inúmeros fatores e teve uma forte incidência a partir dos anos de 1970. Este fenômeno tornou-se mais evidente após as grandes guerras, uma vez que muitas mulheres acabaram ficando viúvas e se viram obrigadas a cuidar dos filhos sozinhas. Cabe destacar, também, a influência de comportamentos sexuais sobre os valores culturais dos Estados Unidos durante os anos sessenta, a partir do qual tivemos uma significativa revolução social o que resultou em uma maior autonomia feminina[11].

No Brasil, as famílias monoparentais chefiadas por mulheres apresenta um aumento significativo no decorrer dos anos.

1.1.4. Família Anaparental

A família anaparental possui, de acordo com Kusano Susileine[12]:


(...) como basilar o elemento efetividade, que se caracteriza pela inexistência da figura dos pais, ou seja, constitui-se basicamente pela convivência entre parentes do vínculo da colateralidade ou pessoas – mesmo que não parentes e sem conotação sexual – dentro de uma mesma estruturação com identidade de propósitos, que é o animus de constituir família.

Importante destacar aqui que a família anaparental não é formada apenas por parentes, podendo, também, ser formada, por exemplo, por meros conhecidos, amigos. No entanto, “estes conviventes ainda não gozam da proteção do Ordenamento Jurídico como entidade familiar”[13]. Em razão disto, tem-se questionado se o rol de espécies de entidades familiares previstas no artigo 226[14] da Constituição Federal é taxativo ou exemplificativo, de modo a possibilitar a extensão a outras espécies de família em razão dos princípios da pluralidade familiar e da dignidade humana.

Neste sentido, Luana Silva Calheira[15] explica:


(...) Otexto constitucionall mudou e trouxe um conceito amplo de família, não determinando tipos de família específicos, ao revés, o caput do artigo2266 daCF/888 nada mais é senão, uma cláusula geral de inclusão, não sendo admissível, portanto, desconsiderar qualquer entidade que satisfaça os requisitos de afetividade, ostensibilidade e estabilidade, haja vista que se trata de rol exemplificativo.

Cumpre destacar que o afeto é a essência de toda relação familiar, por meio da qual se alcança a felicidade e a realização plena do corpo social.

1.1.5. Família Eudenomista

A Família eudenomista é aquela decorrente do convívio de pessoas por laços afetivos que buscam atingir a felicidade individual. De acordo com Maria Berenice Dias[16]:


“(...) Surgiu um novo nome para essa tendência de identificar a família pelo seu envolvimento efetivo: família eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus membros. O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do principio eudemonista pelo ordenamento altera o sentido da proteção jurídica da família, deslocando-o da instituição para o sujeito, como se infere da primeira parte do § 8º do art. 226 da CF: o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integram.”.

Pode-se citar como exemplo para este tipo de família jovens que deixam a casa dos pais em busca da realização pessoal.

1.1.6. Família Unipessoal

A família Unipessoal, como a própria nomenclatura já diz, é aquela formada por uma única pessoa, seja ela solteira, separada, divorciada ou viúva. Com o objetivo de alcançar a finalidade social da lei, o Supremo Tribunal de Justiça ampliou o conceito de entidade familiar de modo a incluir a família unipessoal.

O principal intuito de tal reconhecimento é a proteção do bem de família, por este motivo, cria-se a Súmula 364 do STJ “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.

1.1.7. Família Homoafetiva

A família homoafetiva é a relação afetiva entre pessoas de mesmo sexo. Apresenta características similares a de uma união estável.

A família homoafetiva “surge no meio social como decorrência da maior liberdade conferida aos indivíduos, é fruto da ruptura de um padrão moral, arcaico, abalizado, principalmente, no preconceito”.[17] Este tipo de relação passou a ser cada vez mais presente na sociedade, sempre com o objetivo de alcançar a felicidade plena. Deste forma, com a Lei nº. 11.340, de 2006, tivemos o reconhecimento pela legislação brasileira, ainda que apenas no âmbito da violência doméstica, da relação homoafetiva, ao dizer, em seu artigo [18], parágrafo único que as relações nele indicadas independem de orientação sexual. Tivemos, ainda, o reconhecimento de famílias homoafetivas pela jurisprudência e pela Corte Suprema no julgamento conjunto das Adin 4277 e ADPF 132, em 05 de maio de 2011.

Atualmente, cada vez mais, temos o reconhecimento das uniões homoafetivas como espécie de entidade familiar. De modo a compreender melhor este instituto, será realizado um estudo aprofundado do homossexualismo nos seguintes capítulos.

Reconhecimento de filho socioafetivo diretamente em cartório

Publicado por Rosângela Costa

Já era firme em nosso sistema a possibilidade de o Poder Judiciário reconhecer a "paternidade socioafetiva". Traduzindo: aquele que cria, dá amor, educa, ao longo do tempo, poderia obter, por sentença, o reconhecimento oficial da paternidade (ou maternidade), mesmo não sendo o genitor (biológico).

O Provimento 63, de 14 de novembro de 2017, do CNJ, publicado em 17 de novembro de 2017 (Diário da Justiça - CNJ - Edição no 191/2017) disciplina o RECONHECIMENTO DO FILHO SOCIOAFETIVO diretamente em Cartório, ou seja, independentemente de sentença judicial.

Confiram os arts. 10 a 15:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.

§ 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.

§ 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.

§ 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido. Edição nº 191/2017 Brasília - DF, disponibilização sexta-feira, 17 de novembro de 2017 11

Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.

§ 1º O registrador deverá proceder à minuciosa verificação da identidade do requerente, mediante coleta, em termo próprio, por escrito particular, conforme modelo constante do Anexo VI, de sua qualificação e assinatura, além de proceder à rigorosa conferência dos documentos pessoais.

§ 2º O registrador, ao conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento de identificação do requerente, juntamente com o termo assinado.

§ 3º Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor.

§ 4º Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento.

§ 5º A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado.

§ 6º Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.

§ 7º Serão observadas as regras da tomada de decisão apoiada quando o procedimento envolver a participação de pessoa com deficiência (Capítulo III do Título IV do Livro IV do Código Civil).

§ 8º O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva poderá ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de última vontade, desde que seguidos os demais trâmites previstos neste provimento.

Art. 12. Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local.

Art. 13. A discussão judicial sobre o reconhecimento da paternidade ou de procedimento de adoção obstará o reconhecimento da filiação pela sistemática estabelecida neste provimento. Parágrafo único. O requerente deverá declarar o desconhecimento da existência de processo judicial em que se discuta a filiação do reconhecendo, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal.

Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais ou de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.

Art. 15. O reconhecimento espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica. Seção III Da Reprodução Assistida

Art. 16. O assento de nascimento de filho havido por técnicas de reprodução assistida será inscrito no Livro A, independentemente de prévia autorização judicial e observada a legislação em vigor no que for pertinente, mediante o comparecimento de ambos os pais, munidos de documentação exigida por este provimento.

§ 1º Se os pais forem casados ou conviverem em união estável, poderá somente um deles comparecer ao ato de registro, desde que apresente a documentação referida no art. 17, III, deste provimento.

§ 2º No caso de filhos de casais homoafetivos, o assento de nascimento deverá ser adequado para que constem os nomes dos ascendentes, sem referência a distinção quanto à ascendência paterna ou materna.

Art. 17. Será indispensável, para fins de registro e de emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos:

I – declaração de nascido vivo (DNV);

II – declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários;

III – certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.

§ 1º Na hipótese de gestação por substituição, não constará do registro o nome da parturiente, informado na declaração de nascido vivo, devendo ser apresentado termo de compromisso firmado pela doadora temporária do útero, esclarecendo a questão da filiação.

§ 2º Nas hipóteses de reprodução assistida post mortem, além dos documentos elencados nos incisos do caput deste artigo, conforme o caso, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida.

§ 3º O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento do vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a doadora e o filho gerado por meio da reprodução assistida.

Art. 18. Será vedada aos oficiais registradores a recusa ao registro de nascimento e à emissão da respectiva certidão de filhos havidos por técnica de reprodução assistida, nos termos deste provimento.

§ 1º A recusa prevista no caput deverá ser comunicada ao juiz competente nos termos da legislação local, para as providências disciplinares cabíveis.

Contudo, será necessário muita cautela, para não haver nenhum arrependimento posterior.

Alienação fiduciária de bem imóvel

Em 1997, com o advento da lei 9.541 de 1997 que veio para regulamentar o Sistema de Financiamento Imobiliário, surgiu a alienação fiduciária de bem imóvel. A alienação fiduciária é a transferência da propriedade de um bem móvel ou imóvel do devedor ao credor para garantir o cumprimento de uma obrigação. Ocorre quando um comprador adquire um bem a crédito, onde o credor toma o próprio bem em garantia de forma que o comprador, apesar de ficar impedido de negociar o bem com terceiros, pode usufruir dele.


Antes dessa lei, se uma pessoa quisesse adquirir a casa própria com empréstimos junto às instituições financeiras, a hipoteca era praticamente a única modalidade de garantia possível de ser utilizada à época, por ser considerada a mais eficaz. Nesta o imóvel permanecia hipotecado até que a dívida fosse quitada, demandando ajuizamento de ação pelo credor caso houvesse inadimplência, o que acarretava na longa demora para recuperar o crédito, visto que era necessário o ingresso com execução judicial para posteriormente conseguir a penhora do bem.


É importante destacar que, de acordo com o art. da lei 9.541/97, a alienação pode ser instituída tanto por pessoa jurídica quanto física e em favor de pessoa jurídica ou física, e se presta para garantir qualquer divida, independente de sua natureza.


Após a referida lei, essa modalidade de garantia encontrou certa resistência no meio jurídico por conta da sua comparação à alienação fiduciária de bem móvel, devido à ideia de que se tornaria difícil sua execução. Porém, uma vez que ela é uma garantia de rápida constituição e execução, por dispensar a intervenção do judiciário e se desenrolar perante o Cartório Imobiliário (Registro de Imóveis), diferente da hipoteca, ela ganhou muito espaço no mercado imobiliário e começou a ser utilizada tanto quanto a hipoteca.


Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho:


“Quando a alienação fiduciária em garantia tem por objeto bem imóvel, não é o caso de busca e apreensão ou depósito. Os direitos do credor fiduciário tornam-se efetivos por meio da consolidação, em seu nome, da propriedade. Essa consolidação decorre da falta de emenda da mora, perante o Registro de Imóveis, pelo devedor regularmente intimado (Lei n. 9.514/97, art. 26)”[1].


Este novo tipo de garantia se dá através de contrato escrito, que deverá ser registrado em cartório, e a partir de seu registro é averbado na matrícula do imóvel, dando, assim conhecimento a terceiros e evitando que o devedor possa aliená-lo a mais de uma pessoa. Como já dito anteriormente, o comprador não poderá dispor do bem até que este seja quitado, porém, uma vez satisfeita a divida, o fiduciário fornecerá o termo de quitação ao fiduciante para que seja cancelado o registro da propriedade fiduciária, conforme prevê o artigo 25, da lei 9.514/97.


Apenas a titulo de argumentação, existe uma discussão quanto à perda pelo comprador das parcelas quitadas, uma vez que, o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 53 dispõe que:


“Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”.
A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL


A lei no. 9.514 de 20.11.97 criou o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel a partir do seu capitulo II e artigos 22 ao 33. Tal alienação poderá ter como objeto o imóvel concluído ou em construção, podendo, também, a alienação fiduciária ser estabelecida por pessoa física ou jurídica, ressalvando-se, portanto, que referida modalidade não será privativa das entidades que operam no Sistema Financeiro Imobiliário (SFI).


O imóvel dado em garantia poderá ser um lote de terreno, um prédio construído ou em construção, já que a propriedade fiduciária não é regime de financiamento da casa própria, mas modalidade de garantia para as operações de financiamento imobiliário em geral.


Como negócio de garantia, a alienação fiduciária se desdobra como um direito acessório dependente de uma obrigação principal, notadamente um contrato de mútuo, pelo qual o devedor – chamado de fiduciante – realiza, por si ou por intermédio de terceiro, a entrega de bem imóvel para o credor – dito fiduciário -, em propriedade resolúvel enquanto durar a obrigação principal.


Neste tipo de contrato se caracteriza a transferência ao credor da propriedade do bem garantidor, ficando o devedor com a simples posse direta. Ou seja, a utilização direta do bem. Na realidade, o devedor utiliza-se de um bem que não mais lhe pertence. Uma vez quitada a dívida, o devedor, automaticamente, retorna à posição de proprietário da garantia. Não havendo o pagamento do débito, o credor titular do bem poderá reaver a posse direta das mãos do devedor e efetuar a execução da garantia, alienando-a.


É um contrato com natureza jurídica de direito das coisas que não efetiva o surgimento do direito real com sua simples celebração. Tal direito se estabelece em outro momento, quando do registro do contrato no ofício imobiliário sob a denominação de propriedade fiduciária. A propriedade fiduciária, sim, é o direito real obtido a partir da contratação da alienação fiduciária.


A propriedade fiduciária de coisa imóvel se constitui após o devido registro no Cartório de Registro de Imóveis, momento este em que se dará o desdobramento da posse, estabelecendo-se as figuras do fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel, conforme preceitua o parágrafo único do artigo 23 da citada lei.


A lei que trata esta modalidade de negócio fiduciário prevê, em seu artigo 24 e incisos, uma gama de aspectos imprescindíveis à sua formalização, tais como: a) o valor principal da dívida; b) o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito fiduciário; c) a taxa de juros e os encargos incidentes; d) a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel, objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição; e) a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização por conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária; f) a indicação para efeito de venda em leilão público, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva rescisão; g) a cláusula dispondo sobre os procedimentos previstos no art. 27.


No tocante ao aspecto da consolidação da propriedade do imóvel objeto da alienação fiduciária em nome do fiduciário, a mesma se dará quando vencida e não paga a dívida, parcial ou total, o fiduciante, em nome próprio, ou através de seu representante legal, ou mesmo por um procurador devidamente constituído. Este será intimado pelo Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, onde se encontra registrado o contrato constitutivo de alienação fiduciária.


A intimação do fiduciante para constituição em mora e da purgação da mora será feita pessoalmente, ou na pessoa de seu representante legal, admitindo-lhe um prazo de quinze dias para que pague a mora. Ou seja, liquide o débito oriundo de sua inadimplência acrescido com os encargos contratuais.


O prazo de carência nos contratos desta natureza é uma questão importante, o qual deverá estar contido no contrato para que, decorrido o mesmo, seja efetuada a intimação caracterizadora da constituição em mora.


Sempre a requerimento do fiduciário poderá ser realizada a intimação, bem como poderá também ser realizada por solicitação do Oficial do Registro de Imóveis ou por Oficial do Registro de Títulos e Documentos da comarca onde está o imóvel, ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.


Na situação em que o fiduciante, seu representante legal ou procurador devidamente constituído, encontrar-se em local em lugar incerto e não sabido, o Oficial do Registro de Imóveis promoverá a publicação por três dias consecutivos em um jornal de grande circulação do edital da intimação, podendo também ser em outra comarca de fácil acesso, caso não haja no local uma imprensa diária.


Esses aspectos formalizam tanto a constituição em mora como também o direito de purgar a respectiva mora, conforme previsão nos § 1º ao § 5º do artigo 26 da lei supracitada.


De acordo com o § 6º do artigo 26, sendo efetuado o pagamento da mora no prazo ininterrupto de três dias após o pagamento do débito pelo fiduciante, deverá ser entregue a respectiva quantia recebida pelo fiduciário, deduzindo da mesma as despesas decorrentes com a cobrança e a intimação.


Em contrapartida, na hipótese da não quitação da mora no prazo instituído, o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, dará ciência ao fiduciário sobre o fato, momento este em que, após o competente pagamento pelo fiduciário do respectivo imposto de transmissão “inter vivos”, promoverá o registro na matrícula do imóvel objeto da alienação fiduciária, consolidando a propriedade em nome do fiduciário.


Conforme artigo 27 da lei, concede ao fiduciário, no prazo máximo de trinta dias após o efetivo registro da consolidação da propriedade, promover leilão público para alienação de imóvel objeto da respectiva alienação fiduciária.


Poderá ser promovido pelo fiduciário dois leilões públicos, conforme as seguintes regras: a) no primeiro leilão, o lance não poderá ser inferior ao valor estipulado pelo inciso VI do artigo 24 da lei nº. 9.514. Caso ocorra tal fato, será realizado no prazo de quinze dias subsequentes à realização deste primeiro leilão, um segundo; b) neste segundo leilão será aceito um lance, desde que seu valor seja igual ou superior ao valor da dívida, acrescido com as despesas dos encargos legais dos prêmios de seguro, tributos e contribuições condominais.


Pelo previsto no § 4º do artigo 27, havendo a venda do imóvel em leilão, no valor apurado será abatido o da dívida e das despesas de que tratam os § 2º e § 3º. Portanto, verificando-se um saldo. Este será entregue pelo fiduciário ao fiduciante a título de benfeitorias porventura realizadas no imóvel.


Na hipótese de o maior lance oferecido no segundo leilão não ser igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais incluindo tributos e das contribuições condominiais, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º. Desta forma, no prazo de cinco dias contados da realização do segundo leilão, o credor deverá dar, mediante termo próprio, quitação da dívida ao devedor.


Com relação à cessão de crédito, os artigos 28 e 29 da lei estabelecem que ocorrerá a transferência ao cessionário de todos os direitos e obrigações, sendo imprescíndivel à realização de tal ato a anuência expressa do fiduciário. O adquirente assume as respectivas obrigações decorrentes desta transmissão.


O fiador ou terceiro interessado que pagar a dívida ficará sub-rogado de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária. Ocorrendo a insolvência do fiduciante, fica assegurado ao fiduciário a restituição do imóvel alienado.


Esta lei trouxe um avanço importante em relação à reintegração de posse dos imóveis objetos de financiamentos, pois as demandas judiciais para tal objetivo requeriam muito tempo. Nos termos do artigo 30 da lei, as demandas devem ocorrer de forma mais célere, uma vez que é assegurado ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, e ao adquirente do imóvel, por força do leilão público, a reintegração na posse. Esta será concedida liminarmente com prazo para desocupação de sessenta dias, sendo inerente a tal concessão de que o mesmo comprove a consolidação da propriedade em seu nome, nos moldes do artigo 26.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E HIPOTECA


A hipoteca é a forma de garantia que mais se assemelha à alienação fiduciária. Criada no Direito Romano, é a forma de garantia mais antiga utilizada nos dias de hoje. Por assemelhar-se á alienação fiduciária, estas são muitas vezes confundidas.


A hipoteca, segundo Orlando Gomes, “tem por objeto bens imóveis, navio ou avião pertencentes ao devedor ou a terceiro e que, embora não entregues ao credor, asseguram-lhe, preferencialmente, o recebimento de seu crédito”[2]. Ou seja, na hipoteca não há a tradição, que nada mais é do que a transferencia de fato da propriedade, que passa do devedor para o credor fiduciário. Ocorre, diferentemente da alienação fiduciária, o registro da hipoteca no Livro 2 (Registro Geral) no Cartório de Registro de Imóveis. Isso significa que, mesmo hipotecado, o imóvel pode ser alienado a um terceiro, diferente do que acontece no imóvel dado em alienação fiduciária. Nesta o devedor possui somente os direitos reais de uso e fruição da coisa. Não podem ser hipotecados bens de família voluntários, conforme o direito fundamental de moradia previsto na Constituição Federal.


No caso de inadimplemento da obrigação com garantia de hipoteca, há a necessidade do ingresso com uma ação de execução judicial visando a penhora do bem, que será posteriormente levantado em hasta pública. Este é um processo muito mais demorado quando comparado ao leilão extrajudicial que ocorre no inadimplemento de obrigação com garantia de alienação fiduciária. Vale ressaltar também que, no caso de falência do devedor, o credor hipotecário fará parte da massa falida e haverá concurso com os outros credores com direito de preferência. Na alienação, caso haja a falência do devedor, como o bem já está em propriedade do credor fiduciário, este poderá executar-lo sem necessidade de concorrer com os demais credores.


Apesar disso, a hipoteca possui seus pontos favoráveis em relação à alienação fiduciária: caso o valor do imóvel não seja suficiente para quitar a dívida, o credor hipotecário poderá continuar com a execução. Na alienação, caso no segundo leilão o valor da obrigação não seja atingido, a obrigação dar-se-á como extinta. Há também a possibilidade de um único imóvel ser hipotecado mais de uma vez, mesmo isso enfraquecendo a segurança da garantia. Como na alienação existe a transferência da propriedade, estsa só pode ser realizada uma única vez para cada imóvel. Há, entretanto, conforme o enunciado 506 das Jornadas Jurídicas, a possibilidade do bem dado em alienação fiduciária ser dado em garantia como propriedade superveniente. Vale ressaltar também que a hipoteca não é afetada no caso de penhora do bem.


Pode-se concluir, portanto, que a alienação fiduciária quando comparada à hipoteca é uma forma de garantia mais segura, mesmo possuindo seus defeitos. A hipotéca possui suas vantagens, porém é uma forma de garantia antiquada e estas não perfazem a celeridade e força da alienação, o que faz com que ela seja utilizada cada vez menos. 

ENUNCIADOS DAS JORNADAS JURÍDICAS


ENUNCIADO 325 – É impenhorável, nos termos da Lei n. 8.009/90, o direito real de aquisição do devedor fiduciante.


ENUNCIADO 506 – Estando em curso contrato de alienação fiduciária, é possível a constituição concomitante de nova garantia fiduciária sobre o mesmo bem imóvel, que, entretanto, incidirá sobre a respectiva propriedade superveniente que o fiduciante vier a readquirir, quando do implemento da condição a que estiver subordinada a primeira garantia fiduciária; a nova garantia poderá ser registrada na data em que convencionada e será eficaz desde a data do registro, produzindo efeito ex tunc.


ENUNCIADO 567 – A avaliação do imóvel para efeito do leilão previsto no § 1º do art. 27 da Lei n. 9.514/1997 deve contemplar o maior valor entre a avaliação efetuada pelo município para cálculo do imposto de transmissão inter vivos (ITBI) devido para a consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário e o critério fixado contratualmente.
JURISPRUDÊNCIAS


Com o advento da lei 9.514/97, surgiu a disciplina que regula as relações jurídicas existentes em um contrato de alienação fiduciária de bem imóvel. Sua finalidade, conforme se depreende da leitura do artigo 1º deste diploma legal, é: “Art. 1º O Sistema de Financiamento Imobiliário - SFI tem por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, segundo condições compatíveis com as da formação dos fundos respectivos”.


Por se tratar de disciplina relativamente nova, muitas vezes é tratada como forma de hipoteca, conforme anteriormente explanado, possuindo, contudo, menor burocratização em sua forma. A alienação fiduciária de bem imóvel, através de sua celeridade, passa muitas vezes a ser uma forma de garantia mais efetiva.


O Poder Judiciário traz uma série de julgados embasados basicamente na presunção de boa-fé por parte do terceiro adquirente, que dentre todos os princípios necessários para a efetivação do negócio jurídico, é o que possui maior relevância para o Direito. Além das decisões proferidas pelos tribunais, a doutrina também versa sobre esse instituto, sua importância e suas delimitações, que serão explanadas abaixo.


O Ilustríssimo doutrinador Silvio de Salvo Venosa, traz em sua obra intitulada de Direitos Reais a ideia de que:


“Assim consolidada a propriedade em nome do fiduciário, este, no prazo de 30 dias, contados da data do registro a que se refere o § 7º, promoverá leilão público para alienação do imóvel (art. 27), ao contrário do que ocorre para os móveis, quando se permite a venda livre. O ato deve ser precedido da devida divulgação. Assim como para os bens móveis, não é permitido que o credor fique com o bem, para evitar abusos. Para os imóveis, o leilão é obrigatório, o que não corre com os móveis.”[3]


O Tribunal de Justiça do estado do Pará proferiu julgado neste sentido, através do julgamento do processo de nº 2007.3.002296-6, em trâmite perante a 4ª câmara Cível Isolada da Comarca de Belém. Trata-se de um contrato de alienação fiduciária em que o devedor, ora fiduciante, foi constituído em mora. O credor fiduciário ingressou com ação de reintegração de posse e tal medida foi concedida liminarmente em 1ª instância. O devedor ingressou com agravo de instrumento para rever tal decisão. O TJ/PA reconheceu o pedido formulado, visto que, o credor não poderia reaver o bem imóvel, mas sim, obrigatoriamente, leva-lo a leilão.


EMENTA


PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO A QUO QUE CONCEDEU A MEDIDA LIMINAR PARA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL EM LITÍGIO EM 60 DIAS, RESTANDO COMPROVADA, NA FORMA DO ART. 26 DA LEI N. 9.514/97, QUE DISPÕE SOBRE SISTEMA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO, INSTITUINDO A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NOS FUNDAMENTOS DO VOTO - DECISÃO UNÂNIME.1- Consolidada a propriedade em nome do fiduciário, este, no prazo de trinta dias, contados do registro de que trata o § 7º do art. 26 da Lei, promoverá leilão público obrigatoriamente para alienação do imóvel.2- O art. 27da Lei 9.514/97 traz uma obrigação e não uma mera faculdade. A não realização do Leilão eiva de vício o procedimento para reintegração de posse, pelo que mereceu ser reformada a decisão agravada nos termos do voto. Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO em Ação de Reintegração de Posse, tendo como agravante ICHI WATANABE E OUTRO e agravado BANCO DO BRASIL S. A.


Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores, Membros da 4ª Câmara Cível Isolada, deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe dar provimento.”


(Belém - PA, 11 de setembro de 2008. Desa. MARIA DO CARMO ARAÚJO E SILVA Relatora; AGRAVO DE INSTRUMENTO: 4ª Câmara Cível Isolada; Agravante: IIchi Watanabe; Agravante: Chie Watanabe - Agravado: Banco do Brasil S. A. Relatora: Desa. MARIA DO CARMO ARAÚJO E SILVA. Processo: 2007.3.002296-6)


No que concerne à existência de cláusulas de seguro, é do entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Pernambuco que independentemente de transferência de direitos e obrigações à outra empresa seguradora, fica a primeira obrigada a arcar com qualquer dano ou iminência deste, cabendo, outrossim, em casos de a segunda empresa ser responsabilizada, haver a denunciação à lide. Tal entendimento, encontra-se melhor exemplificado na decisão do processo de nº 0007099-90.2011.8.17.0000 em trâmite perante a 4ª Câmara Cível, o qual, passo a transcrever:


EMENTA


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA FUNDADA EM CONTRATO DO SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL. COBERTURA CONTRATUAL DE TODOS OS RISCOS QUE POSSAM AFETAR O SEGURADO. AMEAÇA DE DESMORONAMENTO COM A CONSEQUENTE DESOCUPAÇÃO DA UNIDADE HABITACIONAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CAIXA SEGURADORA; CONTRATOS DE GAVETA. LEGITIMIDADE DOS AUTORES; TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES A OUTRA SEGURADORA. IRRELEVÂNCIA; MULTA DECENDIAL. APLICABILIDADE; PREVISÃO CONTRATUAL. DENUNCIAÇÃO À LIDE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 282 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO (MÉRITO DA IRRESIGNAÇÃO RECURSAL). VERBA HONORÁRIA QUE SE COADUNA COM OS REQUISITOS ELENCADOS NO § 3º DO ART. 20 DOCPC. MANUTENÇÃO DA DECISÃO GUERREADA, IRRETOCÁVEL EM TODOS OS ASPECTOS. IRRESIGNAÇÃO. INVIABILIDADE DO PEDIDO.


1. As cláusulas contratuais devem ser interpretadas teleologicamente, de forma mais benéfica aos mutuários, a fim de que não se anule, de certa forma, os efeitos do contrato de seguro, atendendo-se, ademais, a relevância social da causa e obedecendo aos ditames do Código de Defesa do Consumidor. Assim, a cobertura securitária deve se estender também aos aluguéis e condomínios por tempo necessário, porquanto os vícios construtivos impedem que os imóveis gozem de condições mínimas de habitação, podendo, inclusive, representar perigo aos moradores, caso os reparos necessários não sejam realizados;


2. O STJ nos autos do conflito de competência nº 117.093, datado de 02/08/2011, se posicionou no sentido de que a justiça estadual é competente para apreciar e julgar ação de indenização securitária fundada em contrato do Sistema Financeiro de Habitação, dessa forma, não há que se falar em remessa dos autos à Justiça Federal. Súmula 94 do TJPE: "A Justiça Estadual é competente para processar e julgar ações de seguro habitacional";


3. A Quarta Câmara Cível deste E. Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de ser desnecessária a participação da Caixa Econômica Federal no feito originário (ação securitária), a um, porque não é a única legitimada para pleitear o recebimento das verbas do seguro habitacional, e a dois, porque não demonstrou a agravante à ocorrência concreta de comprometimento do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS);


4. O adquirente de imóvel através de "contrato de gaveta", com o advento da Lei10.150/2000, teve reconhecido o direito à sub-rogação dos direitos e obrigações do contrato primitivo. Por isso, tem o cessionário, legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos;


5. Tratando-se de contrato de seguro habitacional pactuado quando da aquisição de imóveis através do Sistema Financeiro de Habitação, persiste a responsabilidade da companhia de seguros contratada, independentemente desta não ser mais a seguradora líder ou ter transferido seus direitos e obrigações a outras seguradoras, já que beneficiária dos prêmios pagos;


6. Súmula 101 do TJPE, "É válida a multa decendial prevista no contrato de seguro habitacional para atraso do pagamento da indenização, limitada ao valor da obrigação principal";


7. Mesmo na hipótese de denunciação da lide, a demanda secundária requer petição que atenda os requisitos do artigo 282 do código de processo civil, mormente o pedido conclusivo;


8. A fixação da verba honorária deve atender às regras do art. 20, § 3º, doCódigo de Processo Civil. Inviabilidade do pedido. Decisão unânime.


(Processo: AGV 2397162 PE 0007099-90.2011.8.17.0000; Relator (a): Eurico de Barros Correia Filho; Julgamento: 01/09/2011; Órgão Julgador: 4ª Câmara Cível)


O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo elucida sobre a celeridade encontrada na alienação fiduciária, em que, o credor fiduciário não necessariamente deverá recorrer ao Poder Judiciário para ter o seu crédito satisfeito, conforme se extrai da jurisprudência abaixo.


EMENTA


AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇAO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. DIREITO REAL DE GARANTIA. IRRELEVÂNCIA DO FATO DE O INVENTÁRIO DO DEVEDOR HAVER SIDO AJUIZADO ANTES DA DATA DA CONSOLIDAÇAO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA CONSOLIDADA EM FAVOR DO CREDOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.


A alienação fiduciária de coisa imóvel é um direito real de garantia, conforme previsto pelo artigo 17, inciso IV e , da Lei nº 9.514/1997. Em assim sendo, estando devidamente consolidada a propriedade resolúvel em favor do credor, possui o Recorrente o direito real sobre o bem imóvel, podendo adotar as providências cabíveis para o recebimento de seu crédito através da garantia recebida, dentre as quais, o leilão extrajudicial, de acordo com o artigo 26, da Lei nº 9.514/1997, sendo absolutamente irrelevante o fato de que, nessa data, o Processo de Inventário já havia sido ajuizado. Recurso conhecido e provido. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, em conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, por unanimidade dos votos, conhecer e conferir provimento ao recurso interposto.


(TJES, Classe: Agravo de Instrumento, 35119002778, Relator: NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 25/10/2011, Data da Publicação no Diário: 10/11/2011)


O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, por sua vez, pacifica a sua jurisprudência no sentido de que, por tratar-se de lei especial, a Lei do Sistema Financeiro Imobiliário deverá ser utilizada em detrimento do Código Civil. Conforme se aufere no julgamento do processo de nº 2010.012011-4, em trâmite perante a 3ª Câmara Cível, pode-se notar com clareza o real objetivo deste tipo de garantia. No presente caso, o fiduciário se tornou inadimplente, constituindo de pleno direito a satisfação do crédito do credor. Ocorre que, o juiz de primeira instância, entendeu que necessário se fazia a conversão do processo em execução. Com o reexame da matéria em segunda instância, pôde-se lograr êxito no pretendido pelo credor, pois, tratando-se de contrato com cláusula acessória de alienação fiduciária, prevê o tratamento com base na lei 9514/97, necessitando, no caso, para a exultação do direito o envio a leilão. Tal julgado ilustra a celeridade e eficácia explanada anteriormente.


EMENTA


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 30 DA LEI Nº 9.514/97. DECISÃO AGRAVADA QUE INDEFERIU A LIMINAR POSSESSÓRIA POSTULADA PELA COMPANHIA RECORRENTE. COMPROVAÇÃO DA RELEVÂNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO E DO DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. REAPRECIAÇÃO DOS REQUISITOS DA LIMINAR POSSESSÓRIA COM FULCRO EM LEI ESPECIAL QUE SE SOBREPÕE A LEI ORDINÁRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 30 DA LEI Nº 9.514/97. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA. CONCESSÃO DA REINTEGRAÇÃO DA POSSE DO BEM IMÓVEL OBJETO DA AÇÃO.


(Processo nº 2010.012011-4 em trâmite perante a 3ª Câmara Cível; Relatora Dra. HELOÍSA MARIA SÁ DOS SANTOS; julgamento: 03 de fevereiro de 2011)


No que tange à penhora de bens alienados fiduciariamente, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão parte do pressuposto de que a penhora somente poderá incidir sobre bens, direitos ou créditos do próprio executado, não podendo um bem que pertença a um terceiro, que não integra a lide, garantir a execução. Através do julgamento do processo de nº 0002905-19273.2004, em trâmite perante a 1ª Câmara Cível da Comarca de São Luis, o entendimento da câmara fica evidenciado. O caso abaixo refere-se à penhora que incidiu sobre imóvel alienado sem que que contasse nos registros deste qualquer menção sobre tal negociação. Ante a ausência de registro, presume-se que o bem em questão pertence ao proprietário, tornando-se ineficaz o contrato de alienação fiduciária. Tal fato faz com que haja a possibilidade de penhora, como a ocorrida nos autos em questão, do qual consta o julgado abaixo:


EMENTA


Civil e Processual Civil. Apelação. Ação de embargos de terceiro. Imóvel penhorado em execução. Contrato de alienação fiduciária do mesmo imóvel. Ausência de transcrição no registro imobiliário. Validade da penhora. Julgamento extra petita. Enriquecimento ilícito. Preliminar. Carência de ação. As condições da ação encontram-se preenchidas, já que é juridicamente possível o pedido deduzido na inicial de embargos de terceiro (art. 1047, II, do CPC), resultando o interesse processual da demandante do fato de que era a mencionada ação a única medida processual hábil a desconstituir penhora de bens de propriedade de quem não é parte no processo originário e a legitimidade ativa ad causam advém da regra constante no § 1º, do art. 22, da Lei n.º 9.514/97, que permite que qualquer pessoa física ou jurídica possa operar no Sistema Financeiro Imobiliário e contratar alienação fiduciária. O fato de a sentença impugnada haver acolhido tese incompatível ou contrária à do apelante não configura julgamento extra petita ou enriquecimento ilícito do credor apelado, porque o fez com fundamentação clara, precisa e coerente, enfrentando todas as questões suscitadas pelas partes, decidindo, por fim, pela manutenção da penhora e pela ineficácia, em relação ao credor, do Contrato de Financiamento em Garantia do imóvel. A inexistência de registro do Contrato de Financiamento em Garantia do imóvel objeto da penhora no Cartório de Registro de Imóveis não consubstancia um empecilho para a ocorrência da constrição judicial do bem, porque o direito real de garantia somente é oponível contra terceiros quando preenchido este requisito. Apelação conhecida e improvida.


(Processo: AC 192732004 MA; Relator (a): JAMIL DE MIRANDA GEDEON NETO; Julgamento: 29/12/2004; Órgão Julgador: 1ª Câmara Cível de São Luis)


Por fim, têm-se a jurisprudência uníssona do Superior Tribunal de Justiça no que tange à presunção da boa-fé por parte do adquirente, conforme se extrai do julgamento do AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 922.898, publicado no Diário Oficial em 10 de Agosto de 2010.


EMENTA


AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇAO DE VIOLAÇAO AO ART. 593, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO DA PENHORA DO BEM ALIENADO. ALIENAÇAO REALIZADA APÓS A CITAÇAO EM AÇAO EXECUTIVA. IRRELEVÂNCIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇAO DA MÁ-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE.


1 - A jurisprudência pacificada no âmbito deste Eg. Superior Tribunal de Justiça, cristalizada na súmula n. 375 desta Eg. Corte, é no sentido de que "o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente".


2 - A circunstância de ser a alienação do bem penhorado posterior à citação do executado no processo executivo não gera, por si só, a presunção de que o terceiro adquirente teria conhecimento da demanda e, em consequência, de sua má-fé. Precedentes.


3 - Agravo regimental a que se nega provimento. 

CONCLUSÃO


Ante o exposto, fica visível que a alienação fiduciária de bem imóvel é uma das modalidades de garantia mais segura, célere e eficaz que existe no ordenamento jurídico atual. Por possuir leilão extrajudicial, possui o benefício de não exigir a prestação do Poder Judiciário, diferentemente de outras modalidades de garantia que se mostram muito mais burocráticas, como a hipoteca, por exemplo. Pôde-se evidenciar também que a alienação, mesmo possuindo grande similaridade com a esta, mostra-se uma melhor escolha.


A alienação fiduciária de bem imóvel, apesar de seus defeitos, mostra-se a forma de garantia mais adequada em diversas ocasiões e vem ganhando popularidade com o tempo. Essa popularidade decorre da agilidade em que a garantia pode ser acionada, diminuindo seu risco. Isso fez com que cada vez mais os prazos de financiamento fossem estendidos.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O Nome no Direito Civil


NOME


A pessoa natural se distingue nos seio da sociedade e da família através do nome e pelo pseudônimo. Este último, quando utilizado em atividades lícitas, goza da mesma proteção dada ao nome (Art.19). O nome completo é formado pelo PRENOME E SOBRENOME (apelido de família).


Poderia ser: Doutor (axiônimo) Luis Felipe (prenome composto) Generoso (cognome) Farias de Azevedo (sobrenome composto) Neto (agnome).


O prenome é de livre escolha, desde que não seja ridículo. Já o apelido ou nome de família é obrigatório e imutável. Mesmo que a criança seja registrada apenas com prenome, o sobrenome do pai e da mãe será, nos termos do Art.56 da LRP, interpretado a luz do princípio da isonomia, acrescido ao registro.


Irmãos gêmeos ou não, não poderão ter o mesmo nome completo (Art.63 da LRP).


Os pseudônimos e os Apelidos. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição e não apenas o acréscimo como era antes de 1998, quando Xuxa se tornou Maria da Graça Xuxa Meneguel e, Lula, Luís Inácio Lula da Silva. Hoje, Edson Arantes do Nascimento poderia se chamar Pelé Arantes do Nascimento, se assim quisesse.

terça-feira, 4 de abril de 2017

O que é venire contra factum proprium?


O que é venire contra factum proprium?

Luiz Flávio Gomes

Veja o conceito de venire contra factum proprium.

A expressão "venire contra factum proprium" significa vedação do comportamento contraditório, baseando-se na regra da pacta sunt servanda. Segundo o prof. Nelson Nery, citando Menezes Cordero, venire contra factum proprium' postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro - factum proprium - é, porém, contrariado pelo segundo.

O venire contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, comporta-se de determinada maneira, gerando expectativas em outra de que seu comportamento permanecerá inalterado.

Em vista desse comportamento, existe um investimento, a confiança de que a conduta será a adotada anteriormente, mas depois de referido lapso temporal, é alterada por comportamento contrário ao inicial, quebrando dessa forma a boa-fé objetiva (confiança).

Existem, portanto quatro elementos para a caracterização do venire: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa gerada e comportamento contraditório.

Nos dizeres de Anderson Schreiber, a tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência. Em suma, segundo o autor fluminense, o fundamento da vedação do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objetiva.

Esse tema já vem sendo aplicado nos tribunais. No Tribunal de Justiça de São Paulo, alguns julgados também aplicaram, com maestria, o conceito da vedação do comportamento contraditório. O primeiro deles examinou o caso de uma empresa administradora de cartão de crédito que mantinha a prática de aceitar o pagamento dos valores atrasados, mas, repentinamente, alegou a rescisão contratual com base em cláusula contratual que previa a extinção do contrato em caso de inadimplemento. O TJ/SP mitigou a força obrigatória dessa cláusula, ao apontar que a extinção do negócio jurídico não seria possível. De maneira indireta, também acabou por aplicar o princípio da conservação do contrato, que mantém relação com a função social dos negócios jurídicos patrimoniais. Vejamos a ementa do julgado:

Dano moral. Responsabilidade civil. Negativação no Serasa e constrangimento pela recusa do cartão de crédito, cancelado pela ré. Caracterização. Boa-fé objetiva. Venire contra factum proprium. Administradora que aceitava pagamento das faturas com atraso. Cobrança dos encargos da mora. Ocorrência. Repentinamente invoca cláusula contratual para considerar o contrato rescindido, a conta encerrada e o débito vencido antecipadamente. Simultaneamente providencia a inclusão do nome do titular no Serasa. Inadmissibilidade. Inversão do comportamento anteriormente adotado e exercício abusivo da posição jurídica. Recurso improvido (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 174.305-4/2-00, São Paulo, 3ª Câmara de Direito Privado A, Relator: Enéas Costa Garcia, J. 16.12.05, V. U., Voto n. 309).

Em outro caso, o mesmo tribunal aplicou a vedação do comportamento contraditório ao afastar a possibilidade de uma compromitente vendedora exigir o pagamento de uma quantia astronômica referente ao financiamento para aquisição de um imóvel, eis que tais valores não foram exigidos quando da quitação da dívida. Entendeu-se que, como a dívida foi quitada integralmente, tal montante, por óbvio, não poderia ser exigido:

Compromisso de compra e venda. Adjudicação compulsória. Sentença de deferimento. Quitação, sem ressalvas, da última das 240 prestações convencionadas, quanto à existência de saldo devedor acumulado. Exigência, no instante em que se reclama a outorga da escritura definitiva, do pagamento de saldo astronômico. Inadmissibilidade, eis que constitui comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Sentença mantida. Recurso não provido. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação cível n. 415.870-4/5-00, São José dos Campos, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator: Ênio Santarelli Zuliani, J. 13.07.06, M.V., Voto n. 9.786).

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Novos tabeliães querem modernizar cartórios

17/08

2016

Novos tabeliães querem modernizar cartórios

Postado por Magno Martins às 06:58




Por Tonico Magalhães

Ainda nos anos 80, no governo do general Figueiredo, o então ministro Hélio Beltrão foi o gestor de um processo inédito na administração pública: a desburocratização do uso dos documentos oficiais. Foi uma festa para a cidadania e um fim de festa para atividade cartorial, extinguindo o reconhecimento firma, a autenticação de cópias, entre outras medidas. A desburocratização foi se diluindo sem que os brasileiros percebessem e tudo voltou aos dias que antecederam a passagem de Hélio Beltrão pelo Governo.

No entanto, hoje, uma nova geração de tabeliães públicos que assumiram os cartórios por concurso tem uma visão mais profunda das suas funções e vem fazendo reflexões importantes sobre o tema. Um deles é Filipe Andrade Lima, titular do cartório Andrade Lima no Recife, ex-Pragana.

Andrade Lima disse para um público de advogados na reunião do LIDE que “uma perniciosa combinação entre infraestrutura precária e limitações orçamentárias com uma certa cultura do litígio, talvez ainda predominante entre partes e advogados, é responsável por acumular no Poder Judiciário um estoque de 70 milhões de feitos pendentes de solução definitiva, 10 milhões a mais do que há 7 anos. Em média, entre janeiro e dezembro, de cada 100 brasileiros, 13 ingressam com uma nova ação judicial, depositando sobre os ombros de cada juiz um fardo de 1.500 processos novos por ano, ou 8 novas causas por dia de trabalho”.

E continuou: “a atividade notarial brasileira, supervisionada por um Poder Judiciário muitas vezes entretido com as próprias mazelas, não colheu melhor sucesso. A incompetência do notariado para aproveitar sua condição de entidade privada e posicionar-se como prestador diferenciado de serviços públicos, aliada à preferência comodista de voltar seu foco a tarefas de complexidade jurídica nula, como a autenticação de cópias e o reconhecimento de firma, rendeu-lhe a infâmia de ver associado o seu local de trabalho, o “cartório”, a um antro de burocracia e perda de tempo”.

Filipe Andrade vê na criação do Conselho Nacional de Justiça, em 2004, a promulgação do novo Código de Processo Civil e a formação de uma comissão especial de desburocratização no Senado Federal, no ano passado, como novos eixos em torno dos quais giram medidas modernizadoras do cenário jurídico nacional.

“A administração judiciária já se apodera de métodos de gestão que, há até pouco tempo, viam-se como de uso quase exclusivo das grandes corporações. Auditorias e relatórios, estatísticas e metas são palavras que se incorporaram ao vocabulário das varas e tribunais”.

Para o tabelião, “os processos eletrônicos, com seus acertos e falhas, já são parte da nossa realidade, e fazem do Brasil um dos precursores mundiais em virtualização de feitos contenciosos. Escolhemos o caminho das soluções alternativas de conflitos. Seguimos firmes na trilha da conciliação, da mediação e da arbitragem como métodos para evitar o emprego da imensa capacidade jurídica e sensibilidade social da nossa magistratura no julgamento de conflitos resolvíveis diretamente pelas partes e seus assistentes”.

Finalmente Filipe Andrade Lima vê nos concursos públicos para provimento das delegações em tabelionatos os grandes responsáveis por revitalizar o notariado, “fazendo incorporar-se à atividade jovens que, além da bagagem jurídica que lhes habilita aprovação em alguns dos mais exigentes certames, trazem consigo uma nova visão de negócio. Pautam-se os notários desta nova geração não pelos frutos que colhem da atividade, mas pelos frutos que a sociedade colhe do seu trabalho”.

A avaliação do jovem tabelião público que aponta o caminho da modernização e desburocratização dos papéis públicos vai ser objeto de cobrança contínua da cidadania brasileira, sufocada por exigências cartoriais e caras, as vezes totalmente absurdas. Que prevaleça o espírito de Hélio Beltrão, que, plena ditadura, era o ministro mais popular por estar ao lado dos brasileiros.

* Jornalista

terça-feira, 5 de abril de 2016

Delação premiada


Por Stephan Gomes Mendonça

O advento da Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, revelou-se como importante passo no combate à criminalidade organizada, tendo em vista que abriu um leque de importantes medidas possíveis para o desmantelamento das estruturas do crime organizado, tido como prioridade nos dias atuais.

Muito embora referida norma tenha vindo a lume, em nosso entender, de maneira açodada em decorrência do clamor proveniente das manifestações populares ocorridas em todo o Brasil, principalmente no mês junho de 2013, é cediço que a aludida lei trouxe diversos pontos positivos, ao corrigir defeitos da legislação anterior.

A agora revogada Lei 9.034, de 03 de maio de 1995, possuía odiosas previsões manifestamente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito como, por exemplo: i) a não concessão de liberdade provisória aos agentes que tivessem efetiva participação na organização criminosa; ii) a impossibilidade do acusado recorrer em liberdade; e, iii) a obrigatoriedade de início de cumprimento da pena em regime fechado nos crimes decorrentes de organização criminosa, tudo isso ao arrepio das disposições da Carta da República.

Entre acertos e desacertos, destaca-se a nova lei por afastar tais previsões inconstitucionais e trazer em seu bojo a até então difícil conceituação de organização criminosa, bem como por instituir novos tipos penais incriminadores, novos meios de prova e por (tentar) regulamentar institutos como a ação controlada, a infiltração de agentes e a colaboração premiada.

Um dos institutos que teve sensível modificação foi precisamente a delação premiada, agora nominada colaboração premiada. Antes de aprofundarmos o tema, insta conceituar o instituto, trazendo à baila os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci: “colaborar significa prestar auxílio, contribuir; associando-se ao termo premiada, que representa vantagem ou recompensa, extrai-se o significado processual penal para o investigado ou acusado que dela se vale: admitindo a prática criminosa, como autor ou partícipe, revela a ocorrência de outro (s), permitindo ao Estado ampliar o conhecimento acerca da infração penal, no tocante à materialidade ou autoria.”

No artigo 6º da antiga lei, em escasso enunciado, previa-se apenas a redução de um a dois terços da pena, quando a colaboração espontânea levasse ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria, silenciando sobre qualquer outro ponto atinente à sua aplicação. De igual modo, em outras leis esparsas por vezes viu-se a mesma pouca importância dada a esse instituto.

Por outro lado, a novel lei dispensou à colaboração premiada atenção inversamente proporcional, ao passo que aumentou os benefícios concedidos pelo colaborador (não apenas a diminuição da pena, mas também o perdão judicial e a substituição da pena corpórea por pena restritiva de direitos, por exemplo), ampliou o rol de resultados para a concessão do(s) benefício(s) previsto(s) (incisos I a V do artigo 4º), estabeleceu os direitos do colaborador, além de instituir os requisitos do termo de acordo da colaboração.

Entretanto, dentre as alterações que mais chamaram a atenção, cremos, a previsão do parágrafo 6º, do artigo 4º, se mostra da mais fundamental relevância: O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

No terreno da nossa ordem constitucional, não se concebe mais a participação do julgador nesse tipo de acordo entre o investigado/acusado seja com o delegado de polícia, seja com os membros do Parquet, sob pena de irreversível quebra da imparcialidade necessária ao processo penal.

Aliás, antes da alteração legislativa, tal advertência já era exposta pelo professor Pierpaolo Cruz Bottini: “Outra questão controversa é a participação ativa do juiz na celebração do acordo. Há magistrados que intermediam as negociações entre Ministério Público e réu para a delação premiada, e outros que preferem o distanciamento, reservando-se a função de avaliar a extensão da colaboração, sua utilidade e eficácia, para decidir a amplitude do benefício. Também as leis silenciam sobre esse tema. Nos parece que, no sistema acusatório (ou acusatório misto), que se pretende aos poucos implementar no ordenamento pátrio, a participação do magistrado na colheita da prova afeta sua imparcialidade, de forma que seu envolvimento no acordo de delação é desaconselhável.”

A imparcialidade do juiz decorre do princípio do juiz natural como pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. Para Tourinho Filho, “trata-se de verdadeira garantia em respeito ao direito que as partes têm de ser julgadas por Juiz imparcial. E essa imparcialidade proporciona uma indissimulada conotação ética ao processo”.

A delação premiada, como meio de obtenção de prova que é, por certo não permite a participação do juiz, visto que se trata de acordo discutido diretamente com um investigado/acusado que produzirá prova contra outros indivíduos, das mais variadas formas.

Aury Lopes Júnior lembra-nos, com sua habitual sabedoria, que o modelo acusatório do processo penal não se desconecta do princípio da imparcialidade e do contraditório pois “a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório, de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir, além da separação das funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz da atividade investigatória/instrutória.”

Ele vai mais além: “a gestão /iniciativa probatória nas mãos do juiz conduz à figura do juiz-autor (e não espectador), núcleo do sistema inquisitório, Logo, destrói-se a estrutura dialética do processo penal, o contraditório, a igualdade de tratamento e oportunidades e, por derradeiro, a imparcialidade – o princípio supremo do processo”.

Com efeito, em nosso entender, se faz imperioso o afastamento do julgador deste acordo, sob pena de macular a própria validade da prova obtida, conquanto ao juiz compete apenas a posição de terceiro que o Estado ocupa no processo, sem participar da obtenção de provas, o que deve ficar a cargo das autoridades policiais e do Ministério Público, dentro dos limites legais.

Ao magistrado restou, então, a incumbência de verificar a regularidade, legalidade e a voluntariedade do acordo para fins de homologação, desde que atendidos os requisitos legais.

Passados doze meses do advento da nova lei, já se tem notícia, inclusive, da concessão do primeiro perdão judicial pelo juiz Adelmar Pimenta da Silva, da Justiça Federal em Tocantins nos autos da chamada operação “Sanguessuga” (ou "máfia das ambulâncias").

Neste momento, ganha os noticiários a colaboração premiada firmada pelo ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, acusado de participar de esquema de lavagem de dinheiro comandado pelo doleiro Alberto Youssef e preso desde junho. Segundo alguns setores da imprensa, diversos nomes de grande importância no cenário político nacional foram apontados pelo colaborador como participantes no esquema que teria lesado os cofres da estatal.

A par das discussões sobre se é certo, ou não, o incentivo por parte do Estado neste autêntico dedurismo, certo é que sua eficiência persecutória, como se vê, já não se fundamenta em suas próprias forças. Cada vez mais ele se torna dependente da colaboração do agente do fato.

Em nosso entender, essa deve ser a preocupação da sociedade, das instituições relacionadas ao tema e dos estudiosos do direito, na medida em que ao transferir para os próprios participantes no delito a tarefa de produzir provas de autoria e materialidade delitivas, o Estado (Ministério Público) demonstra pouco a pouco sua falência como ente legitimado para a persecução penal.

De mais a mais, há que se louvar os avanços que a Lei 12.850/2013 trouxe na esfera de preservação dos direitos e garantias fundamentais contemplados pela Constituição Federal, no que tange aos princípios da dignidade da pessoa humana, presunção de inocência, individualização da pena e do devido processo legal (imparcialidade do juiz), antes renegados pela Lei 9.034/1995.

Dessa forma, espera-se que a nova lei seja de mais valia para o combate ao crime organizado, sem deixar de dispensar aos acusados da gama de delitos previstos, o adequado tratamento que se busca na ordem constitucional vigente, garantindo-se todos os direitos aos quais os réus fazem jus no nosso Estado de Direito.

STEPHAN GOMES MENDONÇA Advogado criminalista. Pós-graduando em Direito Penal Econômico, Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduado em Teoria Geral do Crime, IBCCRIM-COIMBRA.



[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa. Comentários à Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2013, p. 47.[2] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Delação premiada exige regulamentação mais clara. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 13 de novembro de 2012. http://www.conjur.com.br/2012-nov-13/direito-defesa-delacao-premiada-exige-regulamentacao-clara. Acesso em 24 de outubro de 2013.[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Volume 01. 32ª edição. São Paulo. Saraiva, 2010, p. 64.[4] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 9ª edição. São Paulo. Saraiva, 2012, p.188.[5] Idem, p. 189.