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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Polêmicas processuais das interceptações telefônicas (“grampo telefônico”)

Polêmicas processuais das interceptações telefônicas (“grampo telefônico”)
por Alberto Germano


O tema das interceptação telefônicas é tão nevrálgico, tão complexo, tão em voga, que recentemente, como ápice dos descontentamentos no uso indiscriminado das escutas, o próprio Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Dr. Gilmar Mendes, no mês de junho/2008, suscitou enfaticamente sobre a ilicitude e o mau uso do instituto. Gilmar Mendes classificou de "terrorismo lamentável" e "coisa de gângster" o vazamento de informações pela Polícia Federal para supostamente intimidar e retaliar juízes.


De outra banda, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, em defesa da Polícia Federal, afirmou que a corporação não pode figurar como única responsável por eventuais abusos em investigações de escândalos de corrupção, já que todos os mandados de busca e apreensão são autorizados por juízes. Por isso, afirmou o Ministro, se há erros, é preciso que o Judiciário, o Executivo e o Legislativo trabalhem em conjunto para corrigi-los.


Tarso afirmou que:


"...o que precisamos ter é um ambiente de redução dessas tensões e de minimização de erros, tanto de eventuais erros de magistrados que determinam uma prisão que não deveria ser determinada como de uma eventual ação policial que saia das margens da legalidade. Isso é um dever do Executivo, Legislativo e do Judiciário".[1]


Da análise de imbroglio institucional já se pode afirmar, categoriamente, que a lei de escutas telefônicas é falha, permitindo que das atividades policiais e judiciárias decorram abusos. É unânime, pois, este entendimento.


Entretanto, denota também um certo disfarce deliberado nesta discussão, pois enquanto se discute se a norma que regula as interceptações telefônicas é mal utilizada ou não, perde-se a oportunidade em colocar na pauta da discussão nacional se a lei é necessária e, se for, como proceder para que o texto constitucional que garante a inviolabilidade da vida privada possa manter-se incólume às investidas policialescas e das disputas políticas e eleitorais.


É neste contexto que a presente pesquisa gira, isto é, como estabelecer uma justificativa plausível para a existência da lei invasiva e como evitar a ocorrência de tantos desmandos e ilegalidades na manipulação da lei por parte de autoridades policiais e judiciais.


1. Fundamentação dos Pedidos e das Decisões


Nunca se discutiu tanto no mundo jurídico sobre a importância da fundamentação nos processos em geral. Considerando-se que a fundamentação é o que sustenta uma decisão, é importante ressaltar que a responsabilidade de fundamentar, nos processos envolvendo interceptações telefônicas, não é somente do julgador, mas também da autoridade policial e do Ministério Público, que devem expor os fundamentos de fato e direito para a obtenção da prestação jurisdicional.


A importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei que a garante, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados que o homem pode usufruir. Observe-se que o julgador, ao expor os motivos de seu convencimento, esclarece as razões que nortearam à decisão adotada, uma vez que a inexistência da exposição dos motivos do convencimento do juiz, ou sua inadequação, vulnera a decisão, dentre outras causas, por ser passível de conter algum germe ditatorial.


Entretanto, no que toca à interceptação telefônica, o pedido da quebra da intimidade da pessoa deve ter muito mais importância, eis que está a se requerer a quebra de um preceito sagrado constitucional. Assim a autoridade policial ou o Ministério Público, em sede de ação cautelar penal de quebra do sigilo telefônico, não podem se furtar em demonstrar o fummus bonis júris e opericullum in mora em seu pedido, sob pena de ser indeferida a medida.


A crítica, quase que unânime, é que nos pedidos de interceptações telefônica ocorre ausência de motivação, tão necessárias nas decisões concessivas ou denegatórias de liminar, em mandado de segurança, cautelares, possessórias e ações civis públicas. A fundamentação do pedido concede clareza e segurança jurídica à decisão pleiteada e deve caracterizar a superação de um período em que a liberdade foi arranhada pelo regime ditatorial e pelo Estado policialesco.


Em suma, a fundamentação é o esclarecimento jurídico e fático da razão de se pedir determinado ato, pois, assim, estar-se-á possibilitando o exame da existência ou não dos pressupostos constitucionais legitimadores da medida invasiva.


2. Do Prazo da Escuta e sua Indefinida Prorrogação


Em que pese a Lei de Interceptação Telefônica permitir que tal diligência seja feita por quinze dias, renováveis por igual período uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova (artigo 5°, Lei n. 9296/96), tal regra não vem sendo respeitada pelo Poder Judiciário, já que, via de regra, as operações policiais envolvendo escutas duram meses e anos. Ou seja, o legislador quando fixou o prazo de 15 dias e, apenas, mais 15, tomou posição clara quanto à impossibilidade de se dilatar a interceptação telefônica.


A questão do prazo da interceptação telefônica foi objeto de exaustiva discussão no Congresso Nacional, prevalecendo o texto definitivo que limita o prazo em quinze dias, renovável por igual período. É bom lembrar, que na Câmara Federal, o então Deputado JOSÉ GENOÍNO, relator do projeto, ao apreciar a emenda do Senado, que pretendia estabelecer prazo indeterminado para interceptação, fez a seguinte observação:


"A Emenda n. 4 (que altera o art. 5°) visa a proporcionar um tempo mais amplo à escuta, o que parece-nos não deva ser adotado. Lembrando que o tema já foi amplamente discutido na Comissão quando da votação do projeto original, tem-se que é necessário por termo final à escuta. Possibilitar que ela pudesse ser indefinidamente renovada seria permitir ao Poder Judiciário imiscuir-se na intimidade das pessoas, o que só se pode admitir por exceção. Se for regra, certamente haverá o óbice inarredável da inconstitucionalidade, o que recomenda a rejeição da emenda".


Portanto, não se trata de perquirir sobre a "vontade do legislador", mas, positivamente, sobre a determinação do legislador que rejeitou o texto do projeto original e, ainda, a emenda do Senado (que previa prazo indeterminado para a interceptação), para estabelecer definitivamente como lei a limitação da escuta em quinze dias, renovável apenas por igual período.


Ora, se nem o legislador permitiu que a medida instituída durasse período estendido, o que se dirá sobre o fato de Magistrados, desrespeitando o artigo 5°, da Lei n. 9296/96 que prevê apenas a interceptação por 15 dias, prorrogável por igual período, tenham permitindo que tal medida se perpetue por tantas vezes mais tempo que o permitido. A ilegalidade é manifesta.


Observe o entendimento prolatado no TRF3/SP, que refutou as alegações de ilegalidade na escutas por longos 36 meses: O fundamental, assim, não é tanto a duração da medida, senão a demonstração inequívoca da sua indispensabilidade. Enquanto indispensável, enquanto necessária, pode ser autorizada. A lei não limitou o número de vezes, apenas exige a evidenciação da indispensabilidade" (Operação anaconda - fls. 2.414 - doc. 08).


Não só tal interpretação contraria a lei, como deixa ao alvitre e arbítrio do julgador entender pela dispensabilidade ou não da medida. Veja-se que se prestigia a violação de direitos e garantias fundamentais com o desprezo da lei.


Sem embargo, ainda que se quisesse assim entender, ou seja, que a necessidade da continuidade das investigações justificaria a extrapolação dos prazos fixados pela lei, seria imprescindível a demonstração concreta e fundamentada da indispensabilidade da interceptação telefônica, o que geralmente não é realizado. Nota-se que, quanto mais o tempo de monitoramento telefônico perdura, mais lacônicas, evasiva e desfundamentada a decisão de prorrogação.


Uma das garantias mais importantes do cidadão em face do poder punitivo estatal é a da fundamentação. Não é à toa que o tema ganhou "status" constitucional e tem recebido do Supremo Tribunal Federal a maior atenção. A propósito, o preclaro Ministro Celso de Mello, conduzindo o v. aresto, de decisão unânime, destacou:


"É inquestionável que a exigência de fundamentação das decisões judiciais, mais do que expressiva imposição consagrada e positivada pela nova ordem constitucional (art. 93, IX), reflete uma poderosa garantia contra eventuais excessos do Estado-Juiz, pois, ao torná-la elemento imprescindível e essencial dos atos sentenciais, quis o ordenamento jurídico erigí-la como fator de limitação dos poderes deferidos aos magistrados e Tribunais[2].


Bem por isso é que em outra oportunidade se assentou que "Atos jurisdicionais, que descumpram a obrigação constitucional de adequada motivação decisória, são atos estatais nulos” (RTJ 135/686). Trata-se, com efeito, de um "instrumento essencial de respeito e proteção ás liberdades públicas" (RTJ 135/686).


Assim entendemos que a prorrogação indefinida da interceptação telefônica é totalmente ilegal, posto que a interceptação é medida de exceção, que importa grave violência ao direito fundamental da intimidade, permitindo acesso irrestrito à vida privada, inclusive em assuntos de ordem pessoal que não interessam à investigação, pois não podem ser filtrados, a priori. Portanto, se a autorização deve ocorrer apenas na presença daquelas evidências sérias é obvio que, na hipótese de se deferir a medida invasiva, a necessidade de fundamentação é imprescindível, sob pena de nulidade absoluta dos atos incriminados.


3. Obrigatoriedade da Transcrição e Degravação das Escutas Telefônicas


A Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) promoveu a implantação de serviço de degravação digital de audiências em todo o Estado. A ferramenta já está disponível em 253 Varas e Juizados Cíveis e Criminais, sendo 233 no Interior e 20 na Capital. A sistemática utiliza-se do software denominado Sistema Process & Store Soud (PSS), da Kenta


O PSS é usado em microcomputador, na sala de audiência, por servidores que realizam a gravação da sessão. O programa também é instalado em outra máquina para a degravação, ou seja, a transcrição propriamente dita da audiência, feita por estagiários.


Em síntese, após a gravação da audiência, o arquivo de som que foi gerado é enviado para a rede e estará à disposição do degravador, que irá acessá-lo em outro microcomputador e procederá a sua transcrição para a linguagem escrita.


Trata-se de um exemplo clássico de respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, já que as partes e os interessados tem o direito de conhecer todas as circunstâncias, fatos e provas sobre a qual se fundamenta a denúncia.


O curioso é que, realizadas as interceptações telefônicas, deflagradas as operações policiais de prisão e busca e apreensão de documentos, somente após o oferecimento da denúncia é que o Poder Judiciário disponibiliza à defesa os arquivos de áudio e mídias, defesa que, via de regra, tem prazo de poucos dias para ouvir milhares de horas de escutas telefônicas.


Pior que isso, é que os arquivos de áudios e mídias, via de regra, são enviadas ao Poder Judiciário e às defesas com trechos selecionados, pinçados e escolhidos com os trechos de conversas que interessam à acusação.


A integralidade das escutas, portanto, e o contexto em que se deram as conversas, não é disponibilizada. Argumenta a autoridade policial que promover a degravação das escutas demandaria tanto ou mais tempo que duraram as escutas, inviabilizando a persecução penal e a punição dos culpados.


Daí porque ser lícito concluir que é dever da autoridade policial confeccionar, e direito do acusado receber, a transcrição integral das conversas interceptadas, pois a manipulação dos diálogos por agentes policiais contamina a prova.


4. Necessariedade das Prisões Preventivas


Em vista do reiterado e silencioso procedimento de Autoridades Policiais remeterem inquéritos policiais ou qualquer outra peça de natureza acautelatória (representação para prisão preventiva, prisão temporária, busca e apreensão domiciliar etc.) diretamente ao Poder Judiciário e diante do estado quase que letárgico do Ministério Público e do Poder Judiciário acerca da questão, notadamente em face dos novos ditames estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e após reflexão acerca do tema e análise de breves - mas incisivos - apontamentos literários acerca da questão, elaborou-se o presente escrito.


Porquanto pretendesse o legislador de 1941 estabelecer entre nós o modelo acusatório de processo penal, assim explicitado no item V da Exposição de Motivos do Dec.-lei n.º 689/41 ao argumento de que "o projeto atende ao princípio ne procedat judex ex officio" e que "reclama a completa separação entre juiz e o órgão da acusação", na verdade a prática legislativa não tomou tal direcionamento.


De efeito, já no art. 26 do Código de Processo Penal restou consignado que a ação penal para as contravenções penais tivesse início com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial, cujo procedimento encontra-se estabelecido nos arts. 531 a 538 do mesmo Código. Também para certas infrações o procedimento ganhava quase um contorno inquisitivo conforme o estabelecido, por exemplo, na Lei n.º 4.611/65 (para certos crimes culposos) e na Lei n.º 4.771/65 (Código Florestal).


Consoante a mais autorizada e atualizada literatura jurídica nacional a Constituição Federal de 1988, em vista do estabelecido no inciso I do art. 129 conferindo privatividade ao Ministério Público para o exercício da ação penal pública, tem primado pela clara adoção do sistema processual penal acusatório.


Em face desse princípio maior, resta revogada qualquer disposição infraconstitucional anterior que se encontre em afronta à titularidade conferida ao Ministério Público para o exercício da ação penal pública. A partir de então a Autoridade Judiciária deverá manter-se isenta e imparcial à persecução penal e, ainda, a Autoridade Policial não mais detém qualquer forma de postulação judicial.


Mas não é só. A adoção do sistema acusatório não ganha repercussão apenas no exercício da ação penal pública pelo oferecimento da denúncia.


Como reflexo instrumental, significa que a partir da nova ordem constitucional somente o Ministério Público possui o "jus postulandi", vale dizer, somente ele, como titular privativo da ação penal pública, possui o poder postulatório (como pressuposto processual da capacidade de acionar/provocar) para todas as demais ações e medidas assecuratórias/cautelares de provocação do Poder Judiciário para o escopo final de preparar/instaurar/assegurar/prevenir a aplicação da lei penal ao caso concreto.


O Advogado (Lei n.º 8.906/94) e o Defensor Público (Lei Complementar n.º 80/94) - que exercem função essencial à justiça - detêm o "jus postulandi" para orientação jurídica e defesa do interesse da pessoa que tenha incorrido na prática de infração penal, considerando o tema em questão.


Ao Ministério Público, e tão-somente a ele, caberá a adoção de qualquer medida de provocação judicial, frise-se, seja de ordem assecuratória ou não, para viabilizar o exercício do direito penal material.


Sob o prisma processual o Ministério Público difere do Advogado e do Defensor Público porque, quando parte, (1) atua no exercício da titularidade da ação penal pública como Órgão estatal legitimado a pleitear a aplicação da lei penal ao caso concreto e, ainda, é o Ministério Público sujeito ativo material porque atua como sujeito na Lide (Estado/Coletividade ofendida); como sujeito ativo processual porque sujeito da relação processual no exercício do "jus postulandi".


De outra feita, a Constituição Federal de 1988 conferiu à Polícia Civil a função de polícia "judiciária" e a apuração de infrações penais, primando pelo caráter eminentemente repressivo.


Assim estabelecendo a Carta Federal, fica clara a adoção de modelo similar e compatível ao sistema acusatório já existente e aperfeiçoado em diversos países europeus como Alemanha, Itália, Portugal, dentre outros, onde a polícia "judiciária" procede à adoção de investigações sob a coordenação do titular da ação penal, qual seja, ao Ministério Público, eis que a este devem ser dirigidas, diretamente, as provas para a formação da opinio delicti e qualquer informação de caráter urgente para adoção de medida judicial assecuratória cabível à espécie.


Em outros dizeres, a polícia civil deve manter ligação direta com o Ministério Público, e sob a coordenação dele, afastando-se de plano qualquer possibilidade de a Autoridade Policial acionar a Autoridade Judiciária fornecendo informações de investigações ou dados relacionados à instrução do processo penal na medida que não detém o "jus postulandi" para tanto.


Nessa direção, cabe considerar que várias disposições do Código de Processo Penal brasileiro (de 1941) encontram-se em franca desarmonia com o novo sistema acusatório adotado pela nova ordem constitucional e, como tal, foram revogadas pelo art. 129, incisos I, VII, VIII e IX da Constituição Federal de 1988.


A título exemplificativo vale ressaltar que não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 vários dispositivos do Código de Processo Penal, tais como: §§ 1.º e º do art. 10; incisos I e IV do art. 13; parágrafo único do art. 21; art. 23; art. 26; § 1.º do art. 149; art. 241 e art. 311; quando regram que peças decorrentes de investigações devam ser enviadas ao juiz competente e quando, de qualquer modo, tenham conotação de impulsionar o Órgão Judiciário, visto que as provas decorrentes da investigação servem ao Ministério Público e não ao "juízo competente", imparcial que este deve ser, e (2) não mais cabe à autoridade policial, por conta do sistema acusatório e da privatividade da ação penal pública do Ministério Público, o exercício do "jus postulandi".


Esses são alguns exemplos de que o modelo acusatório instaurado pela Constituição Federal de 1988 (art. 129, inciso I) de modo claro atribuiu apenas a um órgão estatal a titularidade do "jus postulandi": ao Ministério Público.


A presente questão já foi objeto de manifestação literária por Wallace Paiva Martins Júnior quando, já em 1991, expôs lúcida orientação nos seguintes termos pertinentes:


"......


A outra questão que se examina é a respeitante à representação da autoridade policial com vistas à decretação judicial da prisão preventiva, da prisão temporária e da busca e apreensão domiciliar.


Ora, o Delegado de Polícia não tem, pela natureza de suas relevantes funções típicas, o jus postulandi, e não poderia, logicamente, ter a possibilidade de oferecer esses pedidos em juízo, que interessam, sobremaneira, ao titular da ação penal.


Logo, esses pedidos devem ser deduzidos pelo dominus litis da ação penal, pública, o Promotor de Justiça, pois constituem apenas procedimentos cautelares do direito processual penal no interesse da futura instrução criminal em juízo.


Se o Promotor de Justiça tem o poder de requisitar inquéritos e diligências, conceder prazos e de exclusivamente propor a ação penal pública, também tem o poder exclusivo sobre as cautelares medidas acessórias da ação penal pública que lhe é exclusiva.


Preconiza-se a correção deste anacrônico distúrbio. O Delegado de Polícia deve submeter essas pretensões ao Promotor de Justiça, titular da ação penal pública e detentor do jus postulandi conseqüente em nome do povo, para que este, ao seu convencimento, provoque o Juízo.


Saliente-se que somente as partes têm o direito de provocar o Juiz de Direito.


A permanência dessa estrutura, atualmente, nulifica o direito exclusivo da ação penal pública acometido ao Ministério Público e franqueia ao órgão policial uma prerrogativa que ontologicamente não lhe pertence, usurpando do controle do Ministério Público a atividade policial e a condução da ação penal pública acessória ou cautelar, nulificando o due process of law.


Não se pode conceber que a parte pública autônoma não exerça todos os atos inerentes à sua condição, delegando àquele cuja tarefa é a investigação dos crime e contravenções o jus postulandi que não é amoldado a suas funções.". [3]


De outro modo, a prática judiciária, por vezes viciosa e irrefletida, tem conduzido a situações inadmissíveis quando, por exemplo, a autoridade policial, mesmo ilegitimamente, como já adiantado, "representa" pela prisão preventiva (ou outra medida cautelar) e recebe "parecer" contrário do Ministério Público (titular da ação penal pública) e mesmo assim a Autoridade Judiciária decide conforme a "pretensão" da polícia.


A resolução da hipótese se mostra, assim, no mínimo teratológica, visto que reconhece a pretensão de órgão não legitimado a impulsionar judicialmente; afronta a disposição constitucional que confere ao Ministério Público a titularidade privativa do "jus postulandi"; ao princípio do devido processo legal, visto que da iniciativa de parte não legítima pode haver ofensa a um bem jurídico – e.g., liberdade – da pessoa; bem como da incumbência maior conferida ao Ministério Público para a defesa da "ordem jurídica" e dos "interesses sociais e individuais indisponíveis" ressaltados no art. 127 da Constituição Federal.


Também nesse particular, tratando de responder à formulação da hipótese de o Ministério Público manifestar-se desfavoravelmente à medida cautelar "solicitada pela Polícia Civil" ao Juiz de Direito e vindo este deferir o pleito, WALLACE JÚNIOR, com precisa colocação, assim expõe:


"..........................


A resposta, é certo, dentro da perspectiva constitucional dada ao Ministério Público, é negativa, pois se estará ordenando algo que o titular exclusivo da ação penal pública não reputa necessário para a sociedade por ele representada em juízo, em flagrante prejuízo de sua liberdade de convicção na opinio delict ou na análise do meritum causae. De outro lado, o exercício dessa parcela da soberania do Estado que lhe foi atribuído estará sendo usado por quem não a detém legitimamente, com prejuízos óbvios aos princípios da imparcialidade e done procedat judex ex officio.". [4]


Não bastasse a invocação de dispositivos revogados pela Constituição Federal de 1988, mesmo após a nova ordem jurídica tem-se editado lei que se mostra de duvidosa inconstitucionalidade com a privatividade do "jus postulandi"do Ministério Público e do sistema acusatório constitucionalmente adotado, como, por exemplo, a disposição do art. 2.º da Lei n.º 7.960/89 quando confere o exercício de "representação" da autoridade policial, ao Juízo criminal competente, para o decreto de prisão temporária. Não diferente é o disposto no art. º da Lei n.º 9.296/96 que confere à Autoridade Policial a possibilidade de, literalmente, formular "requerimento" judicial para que se proceda à escuta telefônica. Na mesma direção é o disposto na Lei n.º 10.409/2002 (de exígua precisão técnico-jurídica), por seus parágrafo único do art. 29 e art. 34, quando autoriza a Autoridade Policial e fazer pedido e requerimento diretamente ao juízo.


Poder-se-ia indagar: mas se assim não fosse, como se deveria proceder? Responde-se: qualquer ato de postulação judicial que vise assegurar/prevenir/exercer ação penal pública cabe tão-somente ao Ministério Público fazê-lo, face, repete-se, à privatividade do "jus postulandi". Nessa medida, até mesmo para se coordenar/concatenar à atribuição do exercício do controle externo (da legalidade) da polícia, as providências adotadas pela Autoridade Policial devem ser apresentadas diretamente ao titular da ação penal pública, e não ao Magistrado, oportunidade em que se adotará a providência judicial cabível.


Essas colocações não têm outro fim que não concluir pela franca desarmonia procedimental que, mesmo após mais de doze anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, introdutória de importantes reformulações principiológicas no processo penal, vem se adotando com a prática reiterada na admissão de outro órgão estatal que não o Ministério Público no exercício do "jus postulandi", mantendo-se em franco desacordo com o processo penal acusatório constitucionalmente adotado e ofendendo a necessária imparcialidade do Juízo competente.


É preciso que tais procedimentos sejam adequados à nova realidade constitucional e devidamente corrigidos pelo projeto de reforma do Código de Processo Penal que se encontra em tramitação no Congresso Nacional. Enquanto tal, caberá ao Ministério Público buscar a escorreita aplicação da lei oficiando ao Poder Judiciário no sentido de adequar a interpretação das normas inferiores às regras e princípios constitucionais e não estes àquelas, sob pena de se proceder à "leitura da constituição de baixo para cima" e culminar com a "derrocada interna da constituição por obra do legislador e de outros órgãos concretizadores, e à formação de uma constituição legal paralela, pretensamente mais próxima dos momentos ‘metajurídicos’ (sociológicos e políticos)". [5]


5. Das Buscas, Apreensões e Indisponibilidade de Bens e Valores

Primeiramente, antes de passarmos ao estudo da Lei de Interceptações Telefônicas (LIT, nº 9.296, de 24 de julho de 1996), urge definir, ou, ainda antes, analisar a existência de um direito à intimidade.


Dispõe nossa Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada ...". Além disso, o direito à intimidade é tutelado quando se proclama, por exemplo, o direito à imagem, à defesa do nome, à tutela da obra intelectual e o direito ao segredo. Importante salientar que nossa atual Constituição inovou, no sentido de tornar explícita a tutela à intimidade, inclusive punindo sua violação com indenização (art. 5º, X, in fine C.F.).


Define Paulo José da Costa Júnior: "o direito à intimidade é o direito de que dispõe o indivíduo de não ser arrastado para a ribalta contra a vontade. De subtrair-se à publicidade e de permanecer recolhido na sua intimidade, o direito de impedir a divulgação de palavras, escritos e atos".[6]


Atente-se para o fato de o direito à intimidade pertencer à categoria dos chamados direitos da personalidade. Assim, "por direito à intimidade, genericamente, entendemos quer o direito ao segredo, quer o direito à reserva e que se trata de direito integrante da categoria dos direitos da personalidade".(2)


6. Da relatividade do direito à intimidade.


O direito à intimidade, como todos os demais, encontra limitações em seu exercício. Assim é, por exemplo, com o direito à vida, admitindo-se plenamente a legítima defesa. Também com relação ao direito de propriedade, tendo-se em vista a exigida função social da propriedade e os chamados direitos de vizinhança.


"A afirmação de que o direito à intimidade está tutelado pela Constituição brasileira não significa tratar-se de um direito ilimitado".[7] Portanto, o direito à intimidade também encontra limitações, principalmente no tocante às demais liberdades públicas.


É, ademais, a orientação de nossos Tribunais: um direito individual "não pode servir de salvaguarda de práticas ilícitas" [8].


"Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual".[9]


O princípio da concordância prática ou da harmonização, desenvolvido por Canotilho para a interpretação das normas constitucionais exige justamente isto: quando da contradição de princípios, mister faz-se coordenar os bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros.


Atendendo à tal princípio é que o eminente Ministro Sepúlveda Pertence opinou pela não recepção do dispositivo que autorizaria a interceptação telefônica, antes do advento da LIT:


"...ao contrário, a pretendida recepção do art. 57, II, e, C. Bras. Telecomunicações, com a inteligência que se lhe quer emprestar, esvaziaria por completo a garantia constitucional, na medida em que a faria vulnerável a toda a forma de arbítrio judicial, como a que o caso concreto revela".[10]


A título ilustrativo constituem formas de violação ao direito de privacidade estabelecidas em Lei: a Lei de Execuções Penais, seu artigo 41, § único, possibilita à administração da penitenciária até a leitura de cartas destinadas ao preso ou remetidas por ele (violação ao sigilo epistolar); na Lei nº 9.304, que trata da repressão aos crimes praticados por organizações criminosas, permite-se o acesso a dados para fins instrutórios de persecução penal (violação ao sigilo de dados); a medida cautelar de busca e apreensão (violação genérica ao direito à intimidade).


Missão das mais difíceis é justamente encontrar até onde os limites cerceiam tal direito, erigido ao importante rol dos direitos da personalidade. O que se encontra em conflito é o interesse de preservar a vida privada contra o interesse não menos social de justiça. Claro, pois, nos deparamos com uma situação onde o excesso de limites bem como a maximização do exercício ao direito à intimidade podem trazer conseqüências nefastas como a ilegítima violação de direito fundamental ou a impunidade, respectivamente.


Neste contexto será analisada a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º da LIT, pedra angular do sistema de interceptações telefônicas.


Art. 60. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ouvido o Ministério Público, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou que constituam proveito auferido com sua prática, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei no 689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. § 1o Decretadas quaisquer das medidas previstas neste artigo, o juiz facultará ao acusado que, no prazo de 5 (cinco) dias, apresente ou requeira a produção de provas acerca da origem lícita do produto, bem ou valor objeto da decisão.


No § 2º. deste art. 60 estabelece-se que "provada a origem lícita do produto, bem ou valor, o juiz decidirá pela sua liberação."


Ora, temos aqui indiscutivelmente uma odiosa inversão do ônus da prova, o que já havia acontecido no art. 4o., § 2º. da Lei nº. 9.613/98 ("lavagem de dinheiro"). Observa-se que a ilicitude deve ser provada pelo órgão acusador[50], a teor, inclusive, do art. 156 do CPP, pois "à parte acusadora incumbe fornecer os necessários meios de prova para a demonstração da existência do corpus delicti e da autoria", como já ensinava o mestre José Frederico Marques[11]. No dispositivo ora comentado há uma presunção de ilicitude absolutamente estranha aos postulados constitucionais consubstanciados no princípio maior da presunção de inocência. Aliás, comentando aquele dispositivo da Lei de Lavagem de Capitais.


Luiz Flávio Gomes advertia que a "sua literalidade poderia dar ensejo a uma interpretação completamente absurda e inconstitucional, além de autoritária e seriamente perigosa, e que consistiria na exigência, em todos os casos, de inversão do ônus da prova (com flagrante violação ao princípio da presunção de inocência)." Para salvá-lo (e a lição é válida para nosso estudo), o jurista propõe a seguinte interpretação:


"...durante o curso do processo, tendo havido apreensão ou seqüestro de bens, se o acusado, desde logo, espontaneamente (sponte sua, sublinhe-se), já comprovar sua licitude, serão liberados imediatamente, sem necessidade de se esperar a decisão final." Do contrário, diz ele, estaríamos diante de uma "inconstitucionalidade e arbitrariedade. Ninguém está autorizado a fazer ruir um princípio constitucional conquistado depois de uma luta secular."[12]


Continua o art. 60:


...§ 3o Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores. § 4o A ordem de apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou valores poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações.


Concordamos com William Terra de Oliveira, ao afirmar que tais medidas assecuratórias:


"...somente podem vir à luz mediante a presença de requisitos autorizadores, dentre eles a presença de indícios (elementos de prova que indiquem a ocorrência do fato ilícito) e de que tais circunstâncias estão relacionadas com a prática do narcotráfico (ratio legis do dispositivo). Tais indícios devem ser ´suficientes`, ou seja, capazes de dar fundamento lógico e embasamento fático ao despacho (sic) que determinar a constrição. Na ausência desse pressuposto material o juiz poderá indeferir a medida."[13]


Vejamos os demais dispositivos deste capítulo:


"Art. 61. Não havendo prejuízo para a produção da prova dos fatos e comprovado o interesse público ou social, ressalvado o disposto no art. 62 desta Lei, mediante autorização do juízo competente, ouvido o Ministério Público e cientificada a Senad, os bens apreendidos poderão ser utilizados pelos órgãos ou pelas entidades que atuam na prevenção do uso indevido, na atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades. Parágrafo único. Recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da instituição à qual tenha deferido o uso, ficando esta livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União."


"Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica. § 1o Comprovado o interesse público na utilização de qualquer dos bens mencionados neste artigo, a autoridade de polícia judiciária poderá deles fazer uso, sob sua responsabilidade e com o objetivo de sua conservação, mediante autorização judicial, ouvido o Ministério Público. § 2o Feita a apreensão a que se refere o caput deste artigo, e tendo recaído sobre dinheiro ou cheques emitidos como ordem de pagamento, a autoridade de polícia judiciária que presidir o inquérito deverá, de imediato, requerer ao juízo competente a intimação do Ministério Público. § 3o Intimado, o Ministério Público deverá requerer ao juízo, em caráter cautelar, a conversão do numerário apreendido em moeda nacional, se for o caso, a compensação dos cheques emitidos após a instrução do inquérito, com cópias autênticas dos respectivos títulos, e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos o recibo. § 4o Após a instauração da competente ação penal, o Ministério Público, mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária, de órgãos de inteligência ou militares, envolvidos nas ações de prevenção ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades. § 5o Excluídos os bens que se houver indicado para os fins previstos no § 4o deste artigo, o requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens apreendidos, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os tem sob custódia e o local onde se encontram. § 6o Requerida a alienação dos bens, a respectiva petição será autuada em apartado, cujos autos terão tramitação autônoma em relação aos da ação penal principal. § 7o Autuado o requerimento de alienação, os autos serão conclusos ao juiz, que, verificada a presença de nexo de instrumentalidade entre o delito e os objetos utilizados para a sua prática e risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo, determinará a avaliação dos bens relacionados, cientificará a Senad e intimará a União, o Ministério Público e o interessado, este, se for o caso, por edital com prazo de 5 (cinco) dias. § 8o Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão. § 9o Realizado o leilão, permanecerá depositada em conta judicial a quantia apurada, até o final da ação penal respectiva, quando será transferida ao Funad, juntamente com os valores de que trata o § 3o deste artigo."


No § 10º. afirma-se que "terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo." Observa-se, contudo, que em sede de Mandado de Segurança[54] pode-se perfeitamente ser concedida, liminarmente, uma ordem para cassar ou sustar as medidas apontadas nestes parágrafos. Ada, Scarance e Gomes Filho esclarecem que "no curso da demanda surgem com bastante freqüência atos jurisdicionais ilegais, cuja execução é apta a provocar dano irreparável a uma das partes. E a existência de recurso contra esse ato pode não ser suficiente para evitar o dano, quando a impugnação não tiver efeito suspensivo. Nesses casos, o único meio capaz de evitar o dano é o Mandado de Segurança, notadamente pela suspensão liminar do ato impugnado. Pode-se afirmar, portanto, que, se o writ não pretendia, inicialmente, ser instrumento de controle de atos jurisdicionais, as necessidades da vida judiciária acabaram levando-o a preencher essa finalidade."[14]


"§ 11. Quanto aos bens indicados na forma do § 4o deste artigo, recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da autoridade de polícia judiciária ou órgão aos quais tenha deferido o uso, ficando estes livres do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União."


"Art. 6 Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível. § 1o Os valores apreendidos em decorrência dos crimes tipificados nesta Lei e que não forem objeto de tutela cautelar, após decretado o seu perdimento em favor da União, serão revertidos diretamente ao Funad. § 2o Compete à Senad a alienação dos bens apreendidos e não leiloados em caráter cautelar, cujo perdimento já tenha sido decretado em favor da União. § 3o A Senad poderá firmar convênios de cooperação, a fim de dar imediato cumprimento ao estabelecido no § 2o deste artigo. § 4o Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz do processo, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, remeterá à Senad relação dos bens, direitos e valores declarados perdidos em favor da União, indicando, quanto aos bens, o local em que se encontram e a entidade ou o órgão em cujo poder estejam, para os fins de sua destinação nos termos da legislação vigente."


"Art. 64. A União, por intermédio da Senad, poderá firmar convênio com os Estados, com o Distrito Federal e com organismos orientados para a prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e a reinserção social de usuários ou dependentes e a atuação na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, com vistas na liberação de equipamentos e de recursos por ela arrecadados, para a implantação e execução de programas relacionados à questão das drogas."


CONCLUSÃO


A Constituição Federal de 1988 prevê a existência de três poderes, harmônicos e independentes entre si, sendo um deles o Judiciário. Este possui como atribuição a intervenção, quando requerida, resolvendo a lide mediante uma decisão, no intento de assegurar a paz social.


Para que aludido Poder alcance satisfatoriamente seu objetivo, garantindo uma sentença justa e correta para os cidadãos, é necessária a observância de certas regras pelo magistrado.


Por exemplo, consoante disposição constitucional, todas as decisões judiciais precisam ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Este é o princípio do livre convencimento motivado, utilizado no Brasil e examinado no presente estudo.


Ademais, as provas possuem extrema relevância para a motivação do Juiz, pois as decisões exaradas são nelas baseadas. Não há como condenar alguém num processo carecedor de elementos probatórios.


Porém, seu destinatário (magistrado) deve ter muita cautela ao admiti-la, analisando, primeiramente, como elas foram obtidas.


Nesse contexto, revela-se a importância do instituto da prova ilícita, uma vez que no Brasil ela é vedada pelo artigo 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988.


Num primeiro momento, pode-se imaginar uma conotação rígida e absoluta do mandamento constitucional. Equivoca-se quem pensa de tal modo, pois a norma sob comento possui essa redação porque foi criada logo após o término do regime autoritário no Brasil, período esse em que o Estado não respeitou as liberdades e garantias individuais, invadindo a esfera particular dos cidadãos.


Deve-se, sempre, num caso concreto, onde há discussão acerca da ilicitude ou não da prova, invocar o princípio da proporcionalidade, para que o juiz faça um balanceamento dos bens em jogo, prevalecendo o mais lesado. Esta tese é defendida pelos juristas filiados à Teoria Intermediária sobre a admissibilidade da prova ilícita.


Nenhum princípio ou garantia, mesmo com previsão constitucional, é absoluto, podendo ceder para outro com peso maior no caso em questão.


Importante ressaltar que o cotejo dos bens não deve ser realizado de forma abstrata, mas sim concretamente, investigando-se caso a caso, significando, indubitavelmente, a possibilidade de sua variação axiológica em processos judiciais distintos.


No que tange à prova ilícita por derivação (lícitas em si mesmas, mas oriundas de alguma informação extraída de outra ilicitamente colhida), chega-se à mesma conclusão da Suprema Corte norte-americana e adotada de forma majoritária pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, que não deve ser aceita no ordenamento jurídico uma prova obtida de outra ilícita, salvo naqueles casos em que um bem axiológicamente superior está em jogo (proporcionalidade).


Realmente, o vício da planta se transmite aos seus frutos, por isso a denominação de Teoria dos Frutos da Árvore Venenosa ou Envenenada. A regra é que não se deve admitir a validade de um elemento probatório colhido de outro reputado ilícito, pois, do contrário, se estaria retirando totalmente a eficácia do comando constitucional a propósito da proibição da prova ilícita.


Problema existe no processo civil, área do direito carecedora de regramento expresso sobre a vedação dos meios de prova. Contrariamente, o Código de Processo Civil Brasileiro, estabelece em seu artigo 332, a aceitação dos meios legais, como também dos moralmente legítimos.


Pode-se afirmar que tal redação está equivocada, porque confunde Direito e Moral, legalidade com moralidade. Entretanto, após o exame doutrinário, chega-se ao posicionamento que, no âmbito processual civil, não são válidas e eficazes as provas ilegítimas (afrontam normas de ordem processual) e as ilícitas (violam comandos de cunho material), servindo a prova emprestada como exemplo de moralmente legítima.


A admissibilidade da gravação clandestina, seja de conversas telefônicas ou ambiental, também deve ser perquirida sob à luz do princípio da proporcionalidade.


Naqueles casos em que não há obrigação do interlocutor guardar segredo sobre o teor da conversa, ou quando o bem da vida está em jogo, deve prevalecer o entendimento do seu cabimento como meio de prova.


Nas hipóteses de grande violação à intimidade e naquelas não enquadradas dentre as citadas acima, a gravação clandestina precisa ser considerada ilícita, e, conseqüentemente, desentranhada do processo civil.


Em relação à interceptação de comunicações telefônicas, modalidade de prova mais divergente na jurisprudência quanto a sua admissibilidade, é incontroversa sua abrangência tanto pela interceptação telefônica stricto sensu, como pela escuta telefônica, porque em ambas há a intervenção de um terceiro.


A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 5º, XII, que as comunicações telefônicas poderão ser violadas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, mediante lei prevendo as suas hipóteses.


Forçoso reconhecer a não aplicabilidade imediata do comando constitucional, que necessita de lei regulamentadora, no caso, a Lei nº 9.296/96. Em vista disso, todas as captações de comunicações telefônicas autorizadas pelo Juiz Criminal no lapso entre o advento da Constituição Federal de 1988 e a entrada em vigor da referida lei devem ser reputadas ilícitas. Este foi inclusive o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal.


Quanto à Lei nº 9.296/96, há vários equívocos a serem retificados. Não se pode admitir que o Juiz determine ex officio a interceptação telefônica, pois tal ato fere o sistema penal acusatório e rompe com o princípio da imparcialidade.


O parágrafo único do artigo 1º do citado diploma legal não é inconstitucional ao prever a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, porque o Estado necessita de meios eficazes para a repressão dos crimes e a maioria dos criminosos, atualmente, utilizam constantemente tecnologias análogas.


Podem, também, os dados da interceptação de comunicações telefônicas ser utilizados no processo civil como prova emprestada, embora apenas o juiz criminal possua competência para autorizá-la. Contudo, para que tal prova tenha validade e eficácia na demanda civil, é necessária a observância do princípio do contraditório na lide criminal, onde originariamente foi colhida.


Enfim, afirmam-se imperativas futuras alterações na legislação brasileira a propósito da ilicitude da prova. No intento de ensejar maior segurança jurídica, jamais se olvide do relevante emprego do princípio da proporcionalidade para a solução dos conflitos.


NOTAS E REFERÊNCIAS




[2] STF, HC n° 68.202-2, DJ 15/3/91, séc. I, p. 2.647


[3] A exclusividade do "jus postulandi" do Ministério Público na ação penal pública e no inquérito policial, Justitia, São Paulo, 53 (156), out./dez. 1991, p. 15.


[4] A exclusividade do "jus postulandi" do Ministério Público na ação penal pública e no inquérito policial, Justitia, São Paulo, 53 (156), out./dez. 1991, p. 18.


[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, p. 238-239.


[6] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, p. 94; FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional, p. 173-177; FONTELES, Cláudio Lemos. Investigação Preliminar: Significado e Implicações. Revista da FESMPDFT, Ano 9, n.º 17, jan/jun. 2001; dentre outros.


[7] A exclusividade do "jus postulandi" do Ministério Público na ação penal pública e no inquérito policial, Justitia, São Paulo, 53 (156), out./dez. 1991, p. 15


[8] RT, 709/418, apud Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, p.59.


[9] A exclusividade do "jus postulandi" do Ministério Público na ação penal pública e no inquérito policial, Justitia, São Paulo, 53 (156), out./dez. 1991, p. 18


[10] HC n. 69.912-0 - RS - Relator: Min. Sepúlveda Pertence.


[11] MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, p. 265.


[12] GOMES, Luiz Fávio. Lei de Lavagem de Capitais, p. 366.


[13] OLIVEIRA,William Terra de. Nova Lei de Drogas Comentada, p. 249.


[14] GRINOVER, Ada Pellegrini,et al, Recursos no Processo Penal, p. 393


Revista Jus Vigilantibus, Quarta-feira, 18 de março de 2009

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